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20 de Abril de 2024
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    Amante virtual: os efeitos reais da infidelidade conjugal

    Publicado por Correio Forense
    há 6 anos

    Caroline Bourdot Back| e Ronaldo Cesar Leal

    Deixando de lado o aspecto eminentemente moral que permeia o tema, há que se convir que a infidelidade faz parte da trajetória da humanidade. Não é de hoje que os casos de infidelidade permeam os relacionamentos amorosos. Com o advento da internet, tornaram-se cada vez mais abundantes e sofisticadas as ferramentas de traição.

    A rede mundial de computadores fez surgir o espaço virtual que gerou a queda de todas as fronteiras e invadiu todos os lares, permitindo, com incrível agilidade, a comunicação em momento real. Assim, a internet, em pouco tempo, transformou-se no mais veloz, eficiente, prático e econômico meio para as pessoas se corresponderem. A comunicação virtual tornou-se um convite a nova forma de socialização.[1]

    A internet surgiu de maneira abrupta e tomou conta das práticas cotidianas, gerando perplexidades, inclusive no âmbito jurídico, principalmente vinculadas à segurança, privacidade, comércio, criminalidade e Direito de Família (no que se refere aos relacionamentos afetivos virtuais).[2]

    A tela de computador transformou-se na companhia de uma legião de pessoas, abrindo espaço para confidências e intimidades. Mas como não há “crime” perfeito, de modo bastante frequente acabam os parceiros descobrindo que seus cônjuges mantêm vínculos afetivos bastante intensos, íntimos e até tórridos.[3]

    Sinais de cybertraição foram citados como razão para um terço das cinco mil separações analisadas em uma pesquisa feita no Reino Unido em 2011. E o vilão do estudo é o Facebook.[4] A interatividade absoluta com a utilização de diversos recursos construiu a realidade virtual que nos ameaça por toda parte. A rede possibilita romper limites naturais/reais de outrora.[5]

    Muitas são as causas que motivam os relacionamentos virtuais. Uns navegam na internet para atender a uma necessidade natural de conhecer pessoas, para brincar, para fazer descobertas. Outros usam os relacionamentos virtuais para vencer a solidão, para vencer o tédio do cotidiano, para preencher carências afetivas. Enquanto uns buscam os relacionamentos virtuais para fugir da relação pouco insignificante que vivem na realidade, outros também usam a sedução exercida no espaço virtual para melhorar a relação com seus parceiros reais.[6]

    Uma das questões centrais no presente artigo é: Existe amante virtual? E para responde-la é necessário averiguar se traição virtual pode ser considerada ou não uma infração ao dever de fidelidade.

    Por determinação constitucional, os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelo casal (art. 226, § 5º da Constituição Federal). E, por sua vez, os deveres conjugais vem descritos no artigo 1.566 do Código Civil, sendo eles: a fidelidade recíproca (inciso I); vida em comum, no domicílio conjugal (inciso II); mútua assistência (inciso III); sustento, guarda e educação dos filhos (inciso IV), e respeito e consideração mútuos (inciso V).

    E são esses os deveres que nos remete a origem da palavra “cônjuge” que identifica quem está unido pelos laços do matrimônio. O vocábulo jugum era o nome dado pelos romanos à canga ou aos arreios que prendiam as bestas às carruagens. Entre outros sentidos, o verbo conjugare, quer dizer a união de duas pessoas sobre a mesma canga[7].

    Apesar do significativo rol de deveres do artigo 1.566 do Código Civil, a doutrina o reconhece como apenas taxativo e não exemplificativo, prevendo apenas os deveres mais importantes, isto é, aqueles reclamados pela ordem pública e pelo interesse social.[8]

    No presente artigo será discorrido apenas sobre o dever da fidelidade recíproca, previsto no inciso I, do artigo 1.566 do Código Civil. Com efeito, referido dever é conceituado por Clóvis Bevilaqua como a expressão da monogamia, não constituindo tão somente um dever moral, sendo exigido pelo direito em nome dos superiores interesses da sociedade.[9]

    É bem verdade que visando a desestimular a infidelidade, a bigamia ainda é considerada crime no Brasil, conforme preceitua a norma contida no artigo 235 do Código Penal, o que pode acarretar de dois a seis anos de reclusão para quem, ao contrair, sendo casado, um novo casamento.

    Nesse passo, o inadimplemento do dever conjugal de fidelidade recíproca, assim como o descumprimento dos demais deveres descritos no artigo 1.566 do Código Civil, afetam a eficácia, validade ou existência do casamento? A resposta é não!

    O descumprimento de quaisquer dos deveres matrimoniais não gera a possibilidade de se requerer em juízo o reconhecimento de quem deu azo ao término da relação, tendo em vista o exaurimento do instituto da separação judicial, e com ele a impossibilidade da discussão de culpa pelo fim do casamento, trazido com o advento da Emenda Constitucional nº 66/2010, que deu nova redação ao Parágrafo 6º do artigo 226 da Constituição Federal.

    Ocorre, todavia, que a quebra dos deveres matrimoniais vem sendo considerada como violação à boa-fé objetiva, lesando a legítima confiança que um deposita no outro, sendo esse o fundamento invocado nas ações de indenizações por danos morais.[10] Aqui, a pretensão é indenizatória, na esfera cível, não discutindo-se a culpa pelo término do casamento, na seara do Direito de Família.

    Neste contexto, incidem as regras de responsabilidade civil à luz do artigo 186 do Código Civil, observando-se os elementos geradores do dever de indenizar, quais sejam, a comprovação de existência do dano, o nexo de causalidade entre o fato e o dano, a consequente culpa do agente.

    A configuração da responsabilidade civil e o consequente dano moral não está relacionada ao simples rompimento da relação amorosa, é necessário que esteja configurado que um dos cônjuges tenha submetido o outro a condições humilhantes e vexatórias que venham-lhe ofender a sua honra, imagem e integridade física ou psíquica.

    Nessa vereda se faz necessária a discussão sobre a legitimidade, legalidade e constitucionalidade das provas obtidas no mundo virtual. A privacidade da pessoa humana é corolário do princípio da dignidade da pessoa humana, que nem mesmo o cônjuge ou companheiro pode violar esse direito individual sem autorização. Essa privacidade é tutelada pela Constituição Federal e somente pode ser objeto de intromissão de terceiros ou mesmo do Estado se configurados elementos suficientes para sacrifício desse direito fundamental, em nome da sociedade. Bisbilhotices e curiosidades não se prestam para sufocar esse direito fundamental, mormente numa sociedade ávida por novidades e curiosidades.[11]

    A preservação da intimidade de cada um, da dignidade e do sigilo das comunicações tornam as relações familiares imunes ao uso de provas obtidas por meios ilícitos.[12]

    Desde logo, a Constituição Federal garante o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas de dados e das comunicações telefônicas, de modo a tornar inadmissível, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos. Assim, a produção de provas deve atender as disposições constitucionais e legais.

    Sanada a discussão, cabe atentar aos elementos caracterizadores do dano moral, qual seja, a comprovação do dano, o nexo de causalidade entre o fato e o dano, a consequente culpa do agente, pois embora o casamento imponha o dever de fidelidade, a violação pura e simples de um dever jurídico familiar não é suficiente para caracterizar o direito de indenizar.

    Nesse sentido a doutrina é clara quanto a matéria, nos ensinamentos de Cristiano Chaves Farias e Nelson Rosenvald [13]

    Segundo o Superior Tribunal de Justiça, a prática de adultério, isoladamente, não se mostra suficiente a gerar um dano moral indenizável, sendo necessário que a postura do cônjuge infiel seja ostentada de forma pública, comprometendo a reputação, a imagem e a dignidade do companheiro (STJ. AREsp 1176712 de 26.10.2017).

    Nesse sentido, nos parece claro que a falta de fidelidade no mundo virtual através de conversas “eróticas” não caracterizam tecnicamente o adultério, ante a falta efetiva de contato físico, todavia, atentam diretamente aos deveres de fidelidade, lealdade e respeito exigidos em qualquer relacionamento.

    Prevalece o entendimento que a infidelidade entre os cônjuges por si só não gera o dano moral presumido, a análise a ser feita está relacionada ao caso concreto, e a investigação de todos os elementos subjetivos e objetivos existentes, pois não se pode atribuir um dano na esfera moral ante a existência tão somente de dissabores em decorrência do descumprimento dos deveres de fidelidade, lealdade e respeito.

    O Superior Tribunal de Justiça julgou o caso de uma esposa, a qual, ao usar o computador comum do casal, deparou-se com um vídeo feito pelo marido mantendo relação sexual com outro homem. Ao que consta dos autos, a visualização desse vídeo, o qual estava na lixeira do aparelho, e não disponibilizado em qualquer rede social ou de comunicação, deu-se na residência do casal, ou seja, de forma privada, e não publicamente. No presente caso, a decisão foi no sentido de inexistir dano moral, pois não ficou demonstrado que a quebra da fidelidade veio a ocasionar graves repercussões sociais e até mesmo prejudiciais, reflexos à saúde mental e à imagem da esposa. (STJ. AgInt no AREsp 1084674 de 04.08.2017).

    Seguindo este entendimento, o STJ vem firmando seu posicionamento no sentido de que a mera frustração e mágoa, sentimentos naturais em uma dissolução de casamento, não são capazes de comprovar que o fato tenha ultrapassado os dissabores comumente enfrentados entre os cônjuges em um término de relação afetiva. (STJ. AREsp 1116006 de 13.11.2017).

    Para a corrente jurisprudencial majoritária, para caracterizar o dano moral, deve ficar demonstrada a gravidade do caso, ao ponto de gerar repercussões gravosas lesivas ao equilíbrio psíquico e emocional, como também gerar reflexos sociais à imagem do cônjuge traído.

    A propósito, a corrente doutrinária defende inexistir o dever de indenizar pela infidelidade virtual, quando não há dano grave. Entre os posicionamentos, destaca-se a posição da jurista Maria Berenice Dias:

    Nesta esteira, Alexandre Moraes da Rosa, defende que a indenização seria considerada, caso acolhida sem maiores reflexões, como mais uma sanção ao cônjuge responsável pela separação, não podendo o rancor e a necessidade de machucar o ex-cônjuge contar com o respaldo jurídico nesta modalidade de vingança pessoal, salvo a possibilidade de dano grave. Se deixar a imaginação fluir, daqui a pouco entender-se-á que os filhos de um casal que se separa poderiam requerer dano moral! Os padrinhos de casamento também! Quem sabe o próprio Padre que celebrou o casamento pelo desgosto de ter abençoado um casamento em que os cônjuges não souberam honrar! O surrealismo familiar instalado de forma definitiva.[15]

    Fica evidente que o fim da relação, em especial quando se descobre uma traição, causam dor e tristeza, todavia tal situação não configura um acontecimento extraordinário que possa vir a violar os direitos da personalidade e que atinjam psicologicamente a outra parte de tal maneira que, por si só, configurem o dano moral.

    Por fim, imperioso reafirmar que a infidelidade virtual ocasiona a ruptura dos deveres matrimoniais, entre eles a fidelidade recíproca, o respeito e consideração mútuos, legitimando o lesado a ingressar com ação indenizatória, na esfera cível. Para tanto, o cônjuge traído deve utilizar-se de meios de provas lícitos capazes de comprovar que, muito mais que o rompimento da relação, a traição causou repercussões gravosas lesivas ao equilíbrio psíquico e emocional, como também gerar reflexos sociais à imagem do cônjuge traído.

    BEVILAQUA. Clóvis. Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva.

    DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016.

    FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das Famílias. 2ª Ed., 2ª Tir. Rio de Janeiro, Ed. Lumem Juris, 2010.

    GUIMARÃES, Marilene Silveira. Adultério virtual, infidelidade virtual. In: A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: IBDFAM: OAB-MG: Del Rey, 2000.

    MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva.

    Revista Isto É. Infidelidade na Internet. Disponível em: > https://istoe.com.br/191181_INFIDELIDADE+NA+INTERNET<. Acesso em: 15 jan. 2018.

    ROSA. Alexandre Moraes da. Amante Virtual: (In) consequências no Direito de Família e Penal. Florianópolis: Habitus, 2001.

    SOUZA. Lourival de Jesus Serejo de. As provas ilícitas e as questões de Direito de Família. In: Revista Brasileira de Direito de Família, nº 2, Porto Alegre: Síntese, 1999.

    [1] GUIMARÃES, Marilene Silveira. Adultério virtual, infidelidade virtual. In: A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: IBDFAM: OAB-MG: Del Rey, 2000. p. 442.

    [2] ROSA. Alexandre Moraes da. Amante Virtual: (In) consequências no Direito de Família e Penal. Florianópolis: Habitus, 2001. p. 15.

    [3] DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 176.

    [4] Revista Isto É. Infidelidade na Internet. Disponível em: > https://istoe.com.br/191181_INFIDELIDADE+NA+INTERNET<. Acesso em: 15 jan. 2018.

    [5] ROSA. Alexandre Moraes da. Amante Virtual: (In) consequências no Direito de Família e Penal. Florianópolis: Habitus, 2001. p. 22.

    [6] GUIMARÃES, Marilene Silveira. Adultério virtual, infidelidade virtual. In: A família na travessia do milênio. Belo Horizonte: IBDFAM: OAB-MG: Del Rey, 2000. p. 442.

    [7] DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 173.

    [8] MONTEIRO, Washington de Barros. Curso de Direito Civil. São Paulo: Saraiva. p. 112.

    [9] BEVILAQUA. Clóvis. Código Civil Comentado. São Paulo: Saraiva. p. 110.

    [10] DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 174.

    [11] ROSA. Alexandre Moraes da. Amante Virtual: (In) consequências no Direito de Família e Penal. Florianópolis: Habitus, 2001. p. 33.

    [12] SOUZA. Lourival de Jesus Serejo de. As provas ilícitas e as questões de Direito de Família. In: Revista Brasileira de Direito de Família, nº 2, Porto Alegre: Síntese, 1999. p. 12.

    [13] FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Direito das famílias. 2ª Ed., 2ª Tir. Rio de Janeiro, Ed. Lumem Juris, 2010, p 460

    [14] DIAS. Maria Berenice. Manual de Direito das Famílias. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 177.

    [15] ROSA. Alexandre Moraes da. Amante Virtual: (In) consequências no Direito de Família e Penal. Florianópolis: Habitus, 2001. p. 111.

    AUTORES:

    Advogada. Professora da Escola Superior de Advocacia da OAB/SC. Também lecionou na Universidade do Sul de Santa Catarina. Detém especialização em Direito e Processo do Trabalho, Direito Previdenciário e Direito de Família e Sucessões. Membro da Comissão de Direito do Trabalho da OAB/SC (Triênio 2016/2018).

    Ronaldo Cesar Leal é advogado. Assessor Jurídico Parlamentar na Câmara Municipal de Florianópolis/SC. Detém especialização em Direito e Processo do Trabalho e também em Gestão Pública.

    FONTE: JUS.COM.BR

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