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16 de Abril de 2024
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    Ação monitória fundada em cheque prescrito

    Publicado por Correio Forense
    há 6 anos

    Autores: Marco Aurélio Peixoto
    Rodrigo Becker

    A necessidade de revisão formal das Súmulas 299 e 531 do STJ

    O tema desta coluna trata da ação monitória e, mais especificamente, da necessidade de que o Superior Tribunal de Justiça venha a promover uma revisão formal nos enunciados das súmulas nºs 2991 e 5312, que cuidam do cabimento da referida ação fundada em cheque prescrito.

    A ação monitória foi introduzida na ordem jurídica brasileira por meio da Lei n.º 9.079/95, que houve por bem incluir três artigos no CPC/73, e sempre foi fruto de inúmeros, intensos e acalourados debates na doutrina e nos pátrios tribunais.

    No Código de Processo Civil de 2015, a ação monitória continuou prevista em três artigos, mas com um detalhamento bem mais aprofundado e completo, quando comparado com as prescrições revogadas do Código anterior.

    Revela uma tutela diferenciada que, por meio da adoção da técnica de cognição sumária para a concessão do mandado monitório e do contraditório diferido, permite a prolação da decisão antes da oitiva do réu e busca facilitar procedimentalmente a obtenção de um título executivo, naquelas situações em que o credor tiver prova suficiente para convencer o juiz, em cognição não exauriente, da provável existência do direito.3

    O uso da monitória não representa uma imposição, mas uma via facultativa, visto que o credor, detentor da prova escrita, poderá optar perfeitamente pela utilização da ação de conhecimento pelo rito comum, caso assim deseje. O procedimento especial tratado nos arts. 700 a 702 do Código de Processo Civil de 2015 é uma opção do credor que desejar uma opção mais efetiva e sumária à satisfação de seu crédito.

    Mesmo incluída no rol dos procedimentos especiais do CPC/2015, como já o era no CPC/1973, ainda persistem divergências doutrinárias quanto à natureza jurídica da ação monitória. Há uma posição minoritária, abordada dentre outros por Vicente Greco Filho4, que defende a natureza de processo executivo, sendo uma figura mista, um intermédio entre a ação de conhecimento e a ação de execução, com predominância da força executiva, o que seria o bastante para entendê-la como demanda executiva de título extrajudicial. Para outros, como é o caso de Humberto Theodoro Júnior5 e Antônio Carlos Marcato6, a ação monitória revela natureza de novo processo, já que não há oportunidade de defesa ao demandado (inexiste contestação), o contraditório é eventual e diferido no tempo, bem como pelo fato de que o procedimento tem duas fases, uma de cognição e outra de satisfação.

    A corrente majoritária, que parece mais adequada à realidade e aos fins de criação da ação, sustenta que a ação monitória é ação de conhecimento dotada de rito especial. Os argumentos no sentido de que a ação monitória apresenta algumas características específicas, como contraditório diferido e duas fases numa mesma ação, são rebatidos porque ditas particularidades estão presentes em outros procedimentos especiais do processo de conhecimento, não sendo, por si sós, suficientes para o surgimento de um novo processo.7

    Para a propositura de uma ação monitória, revela-se indispensável a existência de prova escrita, sem eficácia de título executivo, restringindo-se às obrigações de pagar quantia, entregar coisa, fazer e não fazer. Afigura-se acertada a opção do legislador brasileiro pelo procedimento monitório documental, que exige a prova literal, ao invés do que ocorre no procedimento monitório puro (modelo austríaco, alemão e francês), quando basta a alegação da existência do direito de crédito, dispensando-se a prova no momento da propositura.

    Não se tratando de título executivo, é preciso uma análise pelo juiz acerca da aceitação daquele documento como elemento caracterizador ou não do crédito, para fins de admissibilidade da ação monitória.

    Diferentemente do que ocorria no CPC/73, o art. 700, § 1º, do CPC/2015 admite que a prova escrita seja uma prova oral documentada, produzida de forma antecipada, nos termos do art. 381 do código vigente. Alguns autores, como Cândido Dinamarco, Nelson e Rosa Nery e Ernane Fidélis dos Santos, defendem que não se deveria admitir a prova produzida unilateralmente pelo autor, exigindo-se alguma participação do réu em sua formação. O STJ não acolhe tal entendimento, compreendendo que se pode ter prova escrita sem essa participação.8

    Tem-se como muito frequente que essa prova escrita seja um documento que já foi título executivo, mas que, por alguma razão ou fundamento, deixou de ser, como ocorre em regra com o cheque ou a nota promissória prescritos. Por outro lado, é também comum que sejam documentos que, não obstante não sejam nem nunca foram títulos executivos, guardam praticamente todas as características, como o contrato particular sem a assinatura de duas testemunhas, a duplicata sem aceite ou o contrato de abertura de crédito em conta corrente com demonstrativo de débito.

    O tímido disciplinamento da ação monitória no código anterior demandou a interpretação de muitas de suas variáveis pela doutrina e pela jurisprudência, o que levou inclusive à edição de algumas súmulas nos tribunais superiores. Muitas das previsões do CPC/2015 consolidaram ou ratificaram tais súmulas, o que fez surgir a reflexão da necessidade de se manter ou não tais enunciados vigendo em nossa ordem jurídica.

    Centremos, pois, a discussão em duas súmulas, que compreendemos sejam dignas de uma revisão formal pelo STJ, quais sejam, a nº 2999, que diz que “é admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito” e a de nº 53110, que indica que “em ação monitória fundada em cheque prescrito ajuizada contra o emitente, é dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula”.

    No STJ, já se havia por admitir amplamente o uso do cheque prescrito, que perdeu sua força executiva, para embasar ação monitória, por ser prova escrita da obrigação. Em verdade, a discussão que antecedeu a edição da súmula girava em torno da necessidade ou não de referência à causa do débito para fins de cabimento da ação monitória embasada em cheque prescrito.

    No AgRg no REsp 399915/SP11, o tribunal tão somente ratificou o entendimento, sem discutir a tese. No REsp 274257/DF12, entendeu o Relator, Min. Antônio de Pádua Ribeiro, que “(…) não tem o autor o ônus de declinar a causa debendi, bastando, para a admissibilidade da monitória, a juntada de qualquer documento escrito que traga em si um crédito e não se revista de eficácia executiva”. Divergiu a Min. Nancy Andrighi, sob o argumento de que, “(…) será imprescindível declinar a causa de pedir, sob pena de não o fazendo produzir petição inicial inepta. A mesma conduta deverá obedecer se optar pelo ajuizamento de ação causal de cobrança, submetida ao rito monitório”, que restou vencida. Nos demais julgados13, considerou-se que “(…) a prova inicial, municiada pelo cheque, é o bastante para a comprovação do direito do autor ao crédito reclamado, cabendo ao lado adverso, (…) demonstrar, eficazmente, o contrário”.

    No CPC/2015, o art. 700 autoriza a propositura da ação monitória com esteio em prova escrita sem eficácia de título executivo, de modo que os títulos de crédito prescritos, por perderem executividade, podem servir de base à demanda monitória.

    Nessa linha de raciocínio, nada muda quanto ao teor da súmula nº 299, a qual, para se adequar aos precedentes que lhe deram origem, nos termos do art. 926, § 1º do CPC, deveria ter sua redação reformulada para fazer referência à desnecessidade de menção à causa do débito, matéria que foi, inclusive, objeto de recurso especial repetitivo, tendo sido fixada a seguinte tese: “em ação monitória fundada em cheque prescrito, ajuizada em face do emitente, é dispensável menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula.” (REsp 1094571/SP, relator Ministro Luís Felipe Salomão, Segunda Seção, julgado em 04/02/2013).

    No entanto, o STJ, ao invés de corrigir o enunciado da súmula nº 299, para acrescer a tese que efetivamente foi objeto de discussão nos precedentes que lhe deram origem e no recurso repetitivo acima referido, acabou editando, no período de “vacatio legis” do CPC/2015, um novo enunciado sumular, de nº 531, que tem quase o mesmo teor da tese fixada no recurso repetitivo acima mencionado: “Em ação monitória fundada em cheque prescrito ajuizada contra o emitente, é dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula”.

    Ocorre que, verificando-se a quase totalidade dos precedentes indicados pelo STJ14, a discussão que deu origem à edição do enunciado nº 531 é a mesma que antecedeu a aprovação da súmula nº 299, qual seja, se é ou não dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula nas ações monitórias fundadas em cheque prescrito.

    A única diferença substancial é que se tratam de decisões mais recentes. Tais julgados apenas reafirmaram o entendimento já estabelecido pelo STJ em decisões anteriores, não havendo qualquer debate novo que justificasse a criação de um novo enunciado sumular.

    Há, inclusive, um precedente em que a discussão gira em torno do cabimento ou não da ação monitória fundada em cheque prescrito, o qual se ajustaria muito mais como precedente relacionado ao teor da súmula nº 299 do que da súmula nº 531.

    Dessa forma, a rigor, apesar de o conteúdo das duas súmulas estar de acordo com o CPC/2015, entendemos como relevante que seja elas revistas formalmente, já que, além de coexistirem dois enunciados sumulares cujos precedentes tratam da mesma temática – necessidade ou não de referência ao negócio jurídico subjacente à emissão do título nas ações monitórias fundadas em cheque prescrito –, a redação do enunciado de nº 299 não está adequada aos precedentes que lhe deram origem.

    Algumas atitudes poderiam vir a ser adotadas no âmbito do STJ. A primeira delas seria o cancelamento da súmula nº 299, inclusive porque, implicitamente, a súmula nº 531 evidencia o cabimento da ação monitória fundada em cheque prescrito, ainda mais porque alguns dos precedentes relacionados tratam diretamente dessa questão.

    Uma outra opção seria a revisão da súmula nº 299 apenas para que sejam referidos como precedentes os julgados que efetivamente se relacionam ao seu enunciado (decisões em que se discuta o cabimento ou não da ação monitória baseada em cheque prescrito), subsistindo, nesse caso, a súmula nº 531, que trata especificamente da desnecessidade de indicação da causa do débito.

    Há, por fim, uma terceira iniciativa que poderia vir a ser adotada pelo STJ, que nos parece mais adequada, qual seja, a revisão da súmula nº 531, até por ser mais nova, para que seu enunciado contenha as matérias contidas nas duas súmulas, com redação que indicasse que “é admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito, sendo dispensável, nas demandas ajuizadas contra o emitente, a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula”. Nesse caso, seriam relacionados na súmula nº 531 outros julgados como precedentes em que houvesse debate sobre o cabimento da ação monitória embasada em cheque prescrito, com o conseguinte cancelamento da súmula nº 299.

    —————————————————–

    1 É admissível a ação monitória fundada em cheque prescrito.

    2 Em ação monitória fundada em cheque prescrito ajuizada contra o emitente, é dispensável a menção ao negócio jurídico subjacente à emissão da cártula.

    3 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 8. Ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016, p. 923.

    4 GRECO FILHO, Vicente. Comentários ao procedimento sumário, ao agravo e à ação monitória. São Paulo: Saraiva, 1996, pp. 49/50.

    5 THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil – volume 3. Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 360.

    6 MARCATO, Antonio Carlos. O processo monitório brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1998, p. 8.

    7 NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil. Volume Único. 8. Ed. Salvador: Editora Jus Podivm, 2016, pp. 924/925.

    8 RESP 925.584/SE, Relator Ministro Luís Felipe Salomão, julgado em 09.10.2012; AgRg no RESP 1.248.167/PB.

    9 Publicada em 22.11.2004.

    10 Publicada em 18.05.2015.

    11 Julgado em 27/06/2002, DJ de 05/08/2002.

    12 Julgado em 28/08/2001, DJ de 24/09/2001.

    13 Por todos, o REsp 285223/MG, julgado em 26/06/2001, DJ de 05/11/2001. No REsp 419477/RS, julgado em 04/06/2002, DJ de 02/09/2002, houve divergência do Min. Ruy Rosado de Aguiar, que entendia indispensável a indicação da origem da dívida, pois “a monitória nada mais é que o uso da ação de locupletamento ilícito por uma outra via”.

    14 Vejam-se os seguintes: AgRg nos EDcl no REsp 1158386/DF, julgado em 11/09/2012, DJe de 17/09/2012; AgRg nos EDcl no AREsp 501131/SC, julgado em 07/08/2014, DJe de 15/08/2014; AgRg no Ag 1315759/GO, julgado em 17/05/2011, DJe de 23/05/2011; AgRg nos EAREsp 223963/PR, julgado em 26/02/2014, DJe de 28/02/2014.

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