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26 de Abril de 2024

Alvarás e desrespeito à legalidade na Justiça do Trabalho

Publicado por Correio Forense
há 7 anos

Ao longo da minha atuação profissional, em tempos mais recentes, fui surpreendido por situações insólitas relativamente à liberação, através de alvará, de valores devidos a reclamantes e apurados nos autos de processo trabalhista, perante a Justiça do Trabalho. Uma delas, por certo a mais agressiva, consistiu, em Vara do Trabalho do Interior do Estado, na negativa em expedir o alvará em nome do advogado, regularmente constituído nos autos, sob a alegação de já havê-lo feito, e somente em nome do reclamante. Pela via correcional, a negativa viu-se superada, e, em consequência, firmado novo alvará, desta vez, em nome do advogado.

As evasivas para o ato ilegal, como de regra, em casos tais, tangenciavam o despropósito. Outras situações se repetiram, tanto em Varas da Capital quanto do Interior do Estado. E consistentes na confecção de alvarás em nome dos reclamantes e entregues diretamente a estes, sem que disso fosse dado ciência ao procurador, como sempre formalmente constituído nos autos.

De início, considerando a quantidade de Varas do Trabalho e o elevado número de processos, afigurava-se que tais ocorrências resultassem ou de idiossincracias de juizes e/ou diretores de secretaria, ou mesmo de exaustivos e estafantes serviços burocráticos. No entanto, a realidade presente, não conforta essa pressuposição. Aponta, lastimavelmente, no sentido oposto. Como é ressaltado nas manifestações dos advogados com atuação sistemática na Justiça do Trabalho, tais procedimentos, no feitio antes referido, corresponderiam a uma postura adotada pela magistratura trabalhista não só no sentido de emitir o alvará só em nome do reclamante, como entregar-lhe diretamente, à revelia do procurador.

Tomando-se esse procedimento como efetivamente consagrado, a situação ganha dimensões preocupantes. A um, pela manifesta ilegalidade do procedimento. A dois, pela afronta aos profissionais da advocacia. O tema carrega pesado constrangimento por obrigar a digressões, no plano jurídico, de uma singeleza, evidência e clareza solares. O advogado constituído, por mandato regular, nos autos, com poderes expressos para receber e dar quitação, está autorizado a ter o alvará em seu nome, correspondente aos valores devidos ao reclamante (cliente).

Por seu turno, o magistrado, para a prática desse ato, tem o respaldo legal consistente nos poderes contidos no mandato e a legitimidade decorrente do trabalho profissional desenvolvido no próprio processo, de resto, de seu inteiro conhecimento.

Está, assim, o advogado, legal e legitimamente habilitado, com primazia plena, para ser chamado a receber o Alvará. Louvável, sob todos os aspectos, mormente em se considerando a natureza inquisitorial do processo e a natureza protetiva do direito material do trabalho, a preocupação do magistrado com a efetiva satisfação do reclamante com relação ao objeto do processo.

Incursiona-se, nesse passo, na relação entre procurador e cliente. Essa relação embora constituída no processo, por sua natureza jurídica, transcende-o, extrapolando o alcance do juízo trabalhista. Trata-se de honorários advocatícios devidos ao advogado e dos valores líquidos a serem transferidos por este ao cliente (reclamante). A ilicitude que aqui possa ocorrer pode e deve ser denunciada toda vez que o juiz disso tiver conhecimento, quer junto à corporação profissional (OAB), quer junto aos órgãos competentes para a apuração da responsabilidade penal e civil.

O próprio reclamante, na condição de principal interessado, não só pode, como deve, por si e/ou com assistência de seu sindicato, não só denunciar como propor as ações competentes, de natureza civil e penal. Isso não significa que o juiz possa presumir ilicitude, e, assim, sob tal pressuposição obstaculizar o acesso do advogado ao alvará. Ao fazê-lo, incorre em manifesta ilegalidade, ao mesmo tempo em que oportuniza a prática de outra ilicitude (não pagamento de honorários) – agora contra o advogado –, ilicitude que presumidamente pretende evitar em relação ao reclamante.

De qualquer sorte, esta matéria não está ao alcance da competência jurisdicional do Juiz do Trabalho, dispondo as partes de todos os meios legais aptos à apuração da responsabilidade civil e criminal por ventura ocorrentes. Conduzir a questão para fora dos limites da legalidade a ninguém interessa. Essa lição já é consabida.

Desrespeito à legalidade, acrescida do qualificativo de legalidade legitima, é abuso de poder por quem tem o encargo constitucional de mantê-lo em seus marcos de juridicidade. A prevalecer tal orientação, ficaremos adstritos a um populismo judicial de modesta extração que empobrece e deslustra o nível da relação da magistratura e da advocacia, que seria de esperar em respeito ao perfil constitucional. E, ao mesmo tempo, submetidos aos estrionismos burocráticos que buscam contornar o incontornável ou justificar o injustificável, para, ao fim e ao cabo, no melhor estilo do “jeitinho” brasileiro, sombrear a realidade legal para poder abrigar-se à margem dela.


Por Marcos Juliano Borges de Azevedo, advogado (OAB-RS nº 4.662). marcosjbazevedo@gmail.com

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