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19 de Abril de 2024
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    STJ: Esposa infiel é condenada por danos morais por ocultar a verdade quanto à paternidade com amante

    Publicado por Correio Forense
    há 8 anos

    DIREITO CIVIL. DANOS MORAIS PELA OCULTAÇÃO DA VERDADE QUANTO À PATERNIDADE BIOLÓGICA.

    A esposa infiel tem o dever de reparar por danos morais o marido traído na hipótese em que tenha ocultado dele, até alguns anos após a separação, o fato de que criança nascida durante o matrimônio e criada como filha biológica do casal seria, na verdade, filha sua e de seu “cúmplice”. De fato, a violação dos deveres impostos por lei tanto no casamento (art. 1.566 do CC/2002) como na união estável (art. 1.724 do CC/2002) não constitui, por si só, ofensa à honra e à dignidade do consorte, apta a ensejar a obrigação de indenizar. Nesse contexto, perde importância, inclusive, a identificação do culpado pelo fim da relação afetiva, porquanto deixar de amar o cônjuge ou companheiro é circunstância de cunho estritamente pessoal, não configurando o desamor, por si só, um ato ilícito (arts 186 e 927 do CC/2002) que enseje indenização. Todavia, não é possível ignorar que a vida em comum impõe restrições que devem ser observadas, entre as quais se destaca o dever de fidelidade nas relações conjugais (art. 231, I, do CC/1916 e art. 1.566, I, do CC/2002), o qual pode, efetivamente, acarretar danos morais. Isso porque o dever de fidelidade é um atributo de quem cumpre aquilo a que se obriga, condição imprescindível para a boa harmonia e estabilidade da vida conjugal. Ademais, a imposição desse dever é tão significativa que o CP já considerou o adultério como crime. Além disso, representa quebra do dever de confiança a descoberta, pelo esposo traído, de que a criança nascida durante o matrimônio e criada por ele não seria sua filha biológica. O STF, aliás, já sinalizou acerca do direito constitucional à felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana (RE 477.554 AgR-MG, Segunda Turma, DJe 26/8/2011). Sendo assim, a lesão à dignidade humana desafia reparação (arts. , III, e , V e X, da CF), sendo justamente nas relações familiares que se impõe a necessidade de sua proteção, já que a família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF). Dessa forma, o abalo emocional gerado pela traição da então esposa, ainda com a cientificação de não ser o genitor de criança gerada durante a relação matrimonial, representa efetivo dano moral, o que impõe o dever de reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo direito, à luz do conhecido ditameneminem laedere. Assim, é devida a indenização por danos morais, que, na hipótese, manifesta-se in re ipsa. REsp 922.462-SP, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, julgado em 4/4/2013.

    O acórdão ficou assim ementado:

    RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL E PROCESSUAL. DANOS MATERIAIS E MORAIS. ALIMENTOS. IRREPETIBILIDADE. DESCUMPRIMENTO DO DEVER DE FIDELIDADE. OMISSÃO SOBRE A VERDADEIRA PATERNIDADE BIOLÓGICA DE FILHO NASCIDO NA CONSTÂNCIA DO CASAMENTO. DOR MORAL CONFIGURADA.
    REDUÇÃO DO VALOR INDENIZATÓRIO.
    1. Os alimentos pagos a menor para prover as condições de sua subsistência são irrepetíveis.
    2. O elo de afetividade determinante para a assunção voluntária da paternidade presumidamente legítima pelo nascimento de criança na constância do casamento não invalida a relação construída com o pai socioafetivo ao longo do período de convivência.
    3. O dever de fidelidade recíproca dos cônjuges é atributo básico do casamento e não se estende ao cúmplice de traição a quem não pode ser imputado o fracasso da sociedade conjugal por falta de previsão legal.
    4. O cônjuge que deliberadamente omite a verdadeira paternidade biológica do filho gerado na constância do casamento viola o dever de boa-fé, ferindo a dignidade do companheiro (honra subjetiva) induzido a erro acerca de relevantíssimo aspecto da vida que é o exercício da paternidade, verdadeiro projeto de vida.
    5. A família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF/88) devendo-se preservar no seu âmago a intimidade, a reputação e a autoestima dos seus membros.
    6. Impõe-se a redução do valor fixado a título de danos morais por representar solução coerente com o sistema.
    7. Recurso especial do autor desprovido; recurso especial da primeira corré parcialmente provido e do segundo corréu provido para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios.
    (REsp 922.462/SP, Rel. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA, TERCEIRA TURMA, julgado em 04/04/2013, DJe 13/05/2013)

    Extrai-se do voto do relator, pela sua relevância, a seguinte manifestação judiciosa

    “II- DOS DANOS MORAIS (conduta da ex-cônjuge do autor)

    A ação ou omissão que lesiona interesse moral ou material de um indivíduo impõe o dever de reparação dos danos acarretados ao lesado a fim de se restabelecer o equilíbrio pessoal e social buscado pelo direito, à luz do conhecido ditame “neminem laedere”.
    Com o fim do instituto da separação judicial impõe-se reconhecer a perda da importância da identificação do culpado pelo fim da relação afetiva. Isso porque deixar de amar o cônjuge ou companheiro é circunstância de cunho estritamente pessoal, não configurando o desamor, por si só, um ato ilícito (arts 186 e 927 do Código Civil de 2002), apto a ensejar indenização.

    A felicidade não é assegurada de forma estática e permanente a quem quer que seja, mormente quando o amor não pode ser objeto de imposição legal. A dor da separação, inerente à opção de quem assume uma vida em comum, não é apta a ensejar danos morais de forma isolada. Em regra, o desconforto pelo desaparecimento do elo afetivo e consequente fim do convívio amoroso é, em regra, mútuo e recíproco. Ademais, o sofrimento, inerente ao desfazimento dos laços conjugais, antecede o processo judicial.

    Assim, a frustração da expectativa de felicidade a dois não desafia o dever de ressarcimento por danos morais por sua mera frustração. A ruptura do casamento constitui um ato doloroso para as partes, porém, em regra, restringe-se ao âmbito interno.
    Nesse sentido, cabe transcrever lição de Maria Berenice Dias:
    “A busca de indenização por dano moral transformou-se na panaceia para todos os males. Visualiza-se abalo moral diante de qualquer fato que possa gerar algum desconforto, aflição, apreensão ou dissabor. Claro que essa tendência acabou se alastrando até as relações familiares. A tentativa é migrar a responsabilidade decorrente da manifestação de vontade para o âmbito dos vínculos afetivos, olvidando-se que o direito das famílias é único campo do direito privado cujo objeto não é a vontade, é o afeto. Como diz João Baptista Villela, o amor está para o direito de família assim como o acordo está para o direito dos contratos. Sob esses fundamentos, se está querendo transformar a desilusão pelo fim dos vínculos afetivos em obrigação indenizatória” (Manual de Direito das Famílias, 6ª Edição, Editora Revista dos Tribunais, pág. 117 – grifou-se).

    De fato, a violação dos deveres impostos por lei tanto no casamento (art. 1.566 do CC) como na união estável (art. 1.724 do CC) não constituem, por si sós, ofensa à honra e à dignidade do consorte, aptas a ensejar a obrigação de indenizar. Não há como se impor o dever de amar, verdadeiro obstáculo à liberdade de escolha pessoal, pois a ninguém é lícito impor apermanência em relacionamento sob a alegação de inobservância à moral ou à regras de cunho social.

    Todavia, não é possível ignorar que a vida em comum impõe restrições que devem ser observadas destacando-se o dever de fidelidade nas relações conjugais, o qual pode, efetivamente, acarretar danos morais, como no caso concreto, em que de fato demonstrado o abalo emocional pela traição da então esposa, com a cientificação de não ser o genitor de criança gerada durante a relação matrimonial, dano efetivo que justifica a reparação civil.

    Outra não é a conclusão de Pontes de Miranda, que ora se transcreve:
    “A lei prevê, quase sempre, as consequências de toda infração dos deveres de direito de família, sejam conjugais, sejam parentais. Daí a opinião, que se alastrou, no sentido de não haver perdas e danos, ou de indenização, quando alguém faltasse aos seus deveres de Direito de Família, conjugais ou parentais. Tal opinião foi posta de lado, porque, além da infração e consequente sanção de Direito de Família, é possível haver causa suficiente para a indenização ou reparação, com fundamento noutra regra de direito civil (direito dascoisas, direito das sucessões, direito das obrigações). Desde que houve o dano, e é de invocar-se alguma norma relativa à indenização por ato ilícito, no sentido lato do direito das obrigações, ou da Parte Geral, cabe ao cônjuge ou ao parente a ação correspondente” (Tratado de Direito de Família, pág. 76, apud Inacio de Carvalho Neto, Responsabilidade Civil no Direito de Família, Biblioteca de Estudos em Homenagem ao Professor Arruda Alvim, Editora Juruá, 4ª Edição, pág. 289).
    A quebra da fidelidade matrimonial revela o que os alemães chamam de Ehebruch, o que entre nós é conhecido por adultério, qualificando-se como a falta contra a honestidade e que desafia indenização por representar violação de dever inerente ao casamento (José Aguiar Dias, Da Responsabilidade Civil, 6ª Edição, Rio de Janeiro, Editora Forense, 1979, v.II, pág. 14).
    O dever de fidelidade, o primeiro dos deveres mútuos entre os casados (art. 231, inciso I, do Código de 1916 e art. 1.566, inciso I, do Código Civil de 2002), pode ser conceituado como a “lealdade, sob o aspecto físico e moral, de um dos cônjuge para com o outro, quanto à manutenção de relações que visem satisfazer o instinto sexual dentro da sociedade conjugal”(Regina Beatriz Tavares da Silva Papa dos Santos, Reparação Civil na Separação e no Divórcio, Editora Saraiva, pág. 71). É um atributo de quem cumpre aquilo que se obriga, que éperseverante nos seus propósitos, e acima de tudo responsável pelo próximo, condição imprescindível para a boa harmonia e estabilidade da vida conjugal.

    A fidelidade tem raízes históricas e, para alguns, religiosas, pois “o fato de o cristianismo apregoar a virtude da mulher pela prática da fidelidade ao seu esposo, trouxe o benefício de afastar, para os homens, o medo da falsificação da descendência e o desconforto de alimentar quem não fosse seguramente seu filho” (Giselda Maria Fernanda Novaes, Família e casamento em evolução, Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese, IBDFAM, v. 1, nº 18, abr⁄jun, 2001, pág. 9 – grifou-se). Tão significativa é a imposição desse dever que o Código brasileiro chegou a considerar o adultério como crime (art. 240), disposição revogada pela Lei nº 11.106⁄05.

    É incontroverso nos autos que o autor teve tal dever violado, tanto no seu aspecto físico (relações sexuais adulterinas) quanto no moral (deslealdade), experimentando profundo abalo psicológico e sofrimento moral, porque após “considerável período de imersão no erro, descobriu não ser carne de sua carne e sangue de seu sangue a criança nascida de sua mulher, na constância do casamento” (acórdão e-STJ fl. 993), tendo sido ludibriado com a quebra do dever de confiança.

    Configurado, portanto, o dano moral, que exorbitou a emoção interna sofrida pelo ofendido em virtude dos reflexos da conduta leviana da ex-mulher na vida social e familiar do ofendido, atingido de forma ampla, porquanto identificado como pai pela sociedade, tendo que conviver com a vergonha e o peso da verdade, já que, infere-se dos autos, a mulher o traiu com um de seus amigos.

    Ademais, a criança não foi apenas registrada formalmente no assento de nascimento como seu filho, mas também criada como tal. Registre-se, por oportuno, mais uma vez, a conclusão do acórdão recorrido:

    “A conduta do autor é incompatível com aquela de quem sabe não ser pai de seu filho. A fotografia de fl. 566 reproduz um instante de ternura paternal que não se coaduna com a versão dos réus. Recorde-se que, viajando para Fortaleza, onde participou de um casamento na qualidade de padrinho, o autor fazia-se acompanhar de C., então com 20 dias de idade (fls. 516), atitude que revela um grau de apego próprio de quem se julga pai verdadeiro. Também as vindas do pai ao Brasil e as idas da criança à Europa são fatos que desmentem frontalmente a ‘teoria’ dos réus (…). Está visto, com perfeita clareza, que, exatamente por embalar a ilusão de ser o pai de C., o autor, em suas visitas ao Brasil, avistava-se com a criança” (e-STJ fl. 995).

    Consta dos autos que efetivamente F. G, “desde o nascimento desenvolveu grande amor por C., intensificado pela separação. Por isso, não poupou esforços e despesas para viajar frequentemente ao Brasil para ficar com C., ou providenciar a ida da criança à Áustria, onde esta ficava em companhia do pai, na casa dos avós paternos” (e-STJ fl. 1.169).

    As tentativas de imputação ao autor da responsabilidade pelo insucesso da relação, pela falta de manutenção de relações sexuais entre os cônjuges, resultaram inócuas, porquanto inexistente qualquer justificativa plausível para a ocultação de informação a que fazia jus o autor concernente à gestação de filho “de outrem” no curso do casamento. Ademais, não há falar em compensação de culpas no direito de família, já que a fidelidade é dever incondicionado de ambos os cônjuges, haja vista a igualdade de direitos e deveres reciprocamente impostos (art. 226, § 5º, da CF⁄88 e art. 1.511 do Código Civil de 2002), não tendo, como se afere dos autos, o autor se conformado com a infidelidade da parceira.

    Em verdade, não foi conferida opção ao autor, que, por ter sido induzido em erro, criou como seu o filho do amante de sua esposa, acreditando de boa-fé que a concepção havia ocorrido no final de junho de 1987. A ex-mulher, inclusive, solenemente afirmou ao juiz da separação que o filho, fruto do seu matrimônio, era do autor (e-STJ fl. 995), o que inequivocamente demonstra a conduta contraditória e dissimulada ensejadora dos danos morais averiguado na instância de origem. Nesse contexto, concluiu o Tribunal local a partir do conjunto fático-probatório dos autos que:
    “(…) Punctum saliens. Alterando a verdade dos fatos (CPC, art. 17, II), alegam os réus que o autor: ‘sempre teve ciência que o menor C. não era seu filho legítimo’ (fls. 105); ‘jamais ignorou que C. não era seu filho’ (fls. 155, articulado 42); ‘sempre soube que o menor não era seu filho’ (fls. 100, articulado 58, ‘b’).
    Em abono da falsa versão, não se pejou a co-ré de traçar de si mesma o retrato nada lisonjeiro de uma criatura mistificadora. De fato, por duas vezes asseverou que, infrutiferamente, ‘procurou manter alguma relação sexual com o marido após constatar a gravidez para tentar justificá-la com relação ao casamento’ (fls. 48); ‘ao constatar a gravidez realmente procurou (…) manter com o autor relação sexual que pudesse justificar o seu estado’ (fls. 161, articulado 61).

    O capcioso intuito dessa versão, é perceptível ao primeiro olhar: sustentando que a convivência sexual entre os cônjuges estava interrompida’de há muito’ (fls. 159) e acrescentando que as manobras dissimulatórias resultaram inócuas, pretende a co-ré demonstrar que o autor não poderia ignorar o fato de que a paternidade era de ser atribuída a terceiro.

    Dá-se o caso, porém, que a concepção do menino teve lugar no dia primeiro de julho de 1987, confessadamente (fls. 48), e a última conjunção carnal entre os cônjuges ocorreu no final de junho daquele ano, consoante informação do autor, que o co-réu aceitou sem reservas (fls. 114 e 115).

    Ora, entre o final de junho e o primeiro dia de julho o interstício temporal é absolutamente insignificante, vale dizer, destituído de virtualidade para a geração de dúvida quanto à paternidade” (fl. 994 e-STJ – grifou-se).

    O entendimento adotado pelo Tribunal local está em consonância ao firmado por esta Terceira Turma:
    “Direito civil e processual civil. Recursos especiais interpostos por ambas as partes. Reparação por danos materiais e morais.
    Descumprimento dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos. Omissão sobre a verdadeira paternidade biológica.
    Solidariedade. Valor indenizatório.
    – Exige-se, para a configuração da responsabilidade civil extracontratual, a inobservância de um dever jurídico que, na hipótese, consubstancia-se na violação dos deveres conjugais de lealdade e sinceridade recíprocos, implícitos no art. 231 do CC⁄16 (correspondência: art. 1.566 do CC⁄02).
    – Transgride o dever de sinceridade o cônjuge que, deliberadamente, omite a verdadeira paternidade biológica dos filhos gerados na constância do casamento, mantendo o consorte na ignorância.
    – O desconhecimento do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento atinge a honra subjetiva do cônjuge, justificando a reparação pelos danos morais suportados.
    – A procedência do pedido de indenização por danos materiais exige a demonstração efetiva de prejuízos suportados, o que não ficou evidenciado no acórdão recorrido, sendo certo que os fatos e provas apresentados no processo escapam da apreciação nesta via especial.
    – Para a materialização da solidariedade prevista no art. 1.518 do CC⁄16 (correspondência: art. 942 do CC⁄02), exige-se que a conduta do ‘cúmplice’ seja ilícita, o que não se caracteriza no processo examinado.
    – A modificação do valor compulsório a título de danos morais mostra-se necessária tão-somente quando o valor revela-se irrisório ou exagerado, o que não ocorre na hipótese examinada.
    Recursos especiais não conhecidos” (REsp nº 742.137⁄RJ, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 21⁄08⁄2007, DJ 29⁄10⁄2007 – grifou-se).

    Assim, é devida a indenização por danos morais, que se manifesta in re ipsa. Não se olvida que o adultério, que ensejou o erro quanto à paternidade, gerou incontestáveis transtornos psicológicos ao pai, que se viu usurpado da expectativa da legítima filiação, à luz do art. 159 do Código Civil de 1.916 – vigente à época dos fatos. Isso porque não é a relaçãoextraconjugal em si mesma o fato gerador da indenização, porquanto despicienda a comprovação da culpa de qualquer dos cônjuges pelo fim do vínculo afetivo, mas, sim, as consequências indubitavelmente prejudiciais à vida pessoal e social do recorrente, atacado no sonho da paternidade, que desmoronou seis anos após a separação, acarretando a dilaceração de um importante projeto de vida, frustração que imputou-lhe intensa dor, humilhação e baixa autoestima.

    A lesão à dignidade humana desafia reparação (arts. , inciso III e incisos V e X, da Constituição Federal de 1988), sendo justamente nas relações familiares que se impõe anecessidade de sua proteção, já que a família é o centro de preservação da pessoa e base mestra da sociedade (art. 226 CF⁄88).

    Nessa esteira, cite-se lição de Cavalieri Filho:
    “(…) Mesmo nas relações familiares podem ocorrer situações que ensejam indenização por dano moral. Pais e filhos, marido e mulher na constância do casamento, não perdem o direito à intimidade, à privacidade, à autoestima, e outros valores que integram a dignidade. Pelo contrário, a vida em comum, reforçada por relações íntimas, cria o que tem sido chamado de moral conjugal ou honra familiar, que se materializa nos deveres de sinceridade, de tolerância, de velar pela própria honra do outro cônjuge e da família. O Código Civil de 2002 incluiu entre os deveres de ambos os cônjuges um inciso que não constava do Código de 1916: respeito e consideração mútuos – art. 1566, inciso V:’incluem-se neste dever, além da consideração social compatível com o ambiente e com a educação dos cônjuges, o dever negativo, de não expor um ao outro a vexames e desrespeito. A elaboração jurisprudencial construiu assim a teoria dos deveres implícitos, que se distinguem dos autos de cortesia ou de assistência moral, dentre os quais destacam-se: o dever de sinceridade, o de respeito a honra e dignidade própria e da família, o dever de não expor o outro cônjuge a companhia degradante, o de não conduzir a esposa a ambientes de baixa moral’ (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil, v. V, p. 176, 14ª edição, Editora Forense) (CAVALIERI, Filho, Programa de Responsabilidade Civil, 9ª Edição, Editora Atlas, págs. 83-84 – grifos originais).
    A dor decorrente de um dano causado por um ser amado, em especial no que tange à sua reputação, é, com certeza, mais intensa do que a ocasionada por um estranho. Se o direito pune este, com mais razão deve punir o primeiro, que enquanto estiver casado deve respeitar os deveres conjugais, dentre os quais destaca-se a fidelidade, sob pena de se responder civilmente pelo descumprimento da obrigação. A mudança da trajetória de vida do recorrente, subtraído da condição de pai, é inexoravelmente um acontecimento trágico na vida de qualquer pessoa, sobretudo, porque se tornou um fato público.

    Aliás, todo ser humano, sem exceção, nasce igual, mas procura ao longo de sua vida, ser diferente, único, especial e exclusivo em suas relações interpessoais. A súbita percepção que a pessoa “amada” faltou com o dever de confiança arruína a construção de uma vida feliz, que o indivíduo pressupunha permanente. O próprio Supremo Tribunal Federal já sinalizou acerca do direito constitucional à felicidade, verdadeiro postulado constitucional implícito, que se qualifica como expressão de uma ideia-força que deriva do princípio da essencial dignidade da pessoa humana (RE nº 477.554 AgR, Relator Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 16⁄8⁄2011, DJe 26⁄8⁄2011).
    Todavia, o valor fixado a título de danos morais merece ser readequado aos parâmetros adotados por esta Corte, que, apenas excepcionalmente admite a sua revisão em situações nas quais a quantia fixada nas instâncias locais for exorbitante ou ínfima, de modo a afrontar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade.

    Não obstante o dano moral jamais possa ser tarifado (Súmula nº 281⁄STF), também não se pode fugir do bom senso, sob pena de se tornar injusto e anti-isonômico com outras situações em que o sofrimento é tão ou mais oneroso, como no caso da perda da vida de um parente. Por sua vez, não pode configurar fonte de lucro ao traído, devendo se limitar a compensá-lo, além de servir de medida preventiva e educativa, nada mais, sob pena de enriquecimento sem causa.

    No caso, o Tribunal estadual extraiu o quantum indenizatório de 1.000 (um mil) salários mínimos do fato de a corré ser hoje “casada com pessoa muito bem situada na estratificação socioeconômica (fls. 361⁄93), afeita a transitar por Angra dos Reis (fls. 514, 517 e 518), em companhia de milionários (fls. 394⁄424)” devendo se presumir que receba de seu atualmarido, que não é o pai biológico da criança, diga-se de passagem, “meios adequados a seu elevado padrão de vida” (e-STJ fl. 997). Tal entendimento destoa dos princípios daproporcionalidade e da razoabilidade, porque se distancia da situação concreta, para hipoteticamente considerar exclusivamente o atual estado econômico do ofensor, o que não se mostra adequado, tendo em vista que outros fatores circundam tal valoração, a saber: a reprovabilidade da conduta, a intensidade e a duração do sofrimento experimentado pela vítima, as condições sociais do ofendido, além da finalidade da reparação.

    Nesse ponto assiste razão à recorrente, pois a base de cálculo aplicada pelo Tribunal estadual destoa dos parâmetros adotados por esta Corte em casos análogos, como se percebe da precisa fundamentação da Ministra Nancy Andrighi, que no citado Recurso Especial nº 742.137⁄RJ entendeu razoável o valor indenizatório fixado em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), pelas seguintes razões:
    “(…) Resta, portanto, discutir a alegada violação ao art. 159 do CC⁄16, suscitada neste segundo recurso especial, para averiguar eventual exorbitância do valor indenizatório fixado na origem.
    Conforme delimitado na sentença e no acórdão recorrido, o fundamento que justificou a responsabilidade civil imputada à primeira recorrente foi a ausência de informação acerca da verdadeira paternidade.

    No sistema da responsabilidade civil extracontratual, para configuração da obrigação de indenizar exige-se a prática de violação a um dever jurídico, que muitas vezes não se encontra, expressamente, indicado na lei, mas que, nem por isso, impede a caracterização de ato ilícito ensejador da responsabilidade pelos danos causados.

    Observa-se que ‘respeito e consideração mútuos’ só foram incluídos como deveres conjugais no CC⁄02. No entanto, considerando as modificações pelas quais passou o direito de família e levando em conta a disposição constitucional acerca do dever de respeito à pessoa, é perfeitamente possível compreender, de forma extensiva, o dever de fidelidade, constante do art. 231 do CC⁄16, e concluir que cabe aos cônjuges também a observância do dever, implícito, de lealdade e sinceridade recíproca.

    Assim, após sopesar o relacionamento conjugal e observar a nova disposição legal, não há dúvida que a recorrente, M L F de B, transgrediu o dever de sinceridade, ao omitir, deliberadamente, a verdadeira paternidade biológica dos filhos, mantendo o recorrido na ignorância de um dos mais relevantes fatos da vida de uma pessoa que é a paternidade.

    O desconhecimento do recorrido, P C H, por mais de vinte anos, do fato de não ser o pai biológico dos filhos gerados durante o casamento com a recorrente, M L F de B, atinge, sem dúvida a dignidade da pessoa, toca e fere a auto-estima e gera sentimentos de menosprezo e traição, violando, em última análise, a honra subjetiva: que é o apreço que a pessoa tem sobre si mesma, conduzindo à depressão e à tristeza vivenciadas pelo recorrido.
    Neste contexto, consideradas as peculiaridades da hipótese sob julgamento, entendo ter sido razoável a fixação de R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) a título de indenização pelos danos morais suportados pelo recorrido, não havendo motivos para a redução do quantum indenizatório.”

    Portanto, guardada a similitude da hipótese concreta em análise com a descrita no precedente supracitado, que acertadamente ponderou a intensidade da humilhação a que foi exposto o cônjuge traído e o grau de ofensa à honra que sofreu, considerando ainda a reprovação da conduta do culpado e a capacidade econômica de ambas as partes, fixo, de forma idêntica, a indenização por danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais), por representar solução coerente com o sistema, devendo tal valor ser corrigido monetariamente a partir do arbitramento (Súmula nº 362⁄STJ), incidindo juros desde a data do evento danoso (Súmula nº 54⁄STJ), qual seja, a data da concepção do menor (1º de julho de 1987 – e-STJ fl. 994).

    Por fim, resta obstada a análise por esta Corte da insurgência da ora recorrente quanto à condenação por litigância de má-fé em virtude da intencional alteração da verdade acerca dos fatos, atestada pelo acórdão recorrido, porquanto tal imputação decorreu da análise minuciosa de fatos e provas insindicáveis nesta instância especial, à luz do óbice formal da Súmula nº 7⁄STJ.
    Em vista de todo o exposto, nego provimento ao recurso especial do autor, dou parcial provimento ao recurso da recorrente para fixar o valor devido a título de danos morais em R$ 200.000,00 (duzentos mil reais) e dou provimento integral ao recurso especial do corréu, para julgar improcedente o pedido de sua condenação, arcando o autor, neste caso, com as despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 30.000,00 (trinta e mil reais).
    É o voto”.

    STJ

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    Superior Tribunal de Justiça STJ - RECURSO ESPECIAL: REsp XXXXX SP XXXX/XXXXX-4

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