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25 de Abril de 2024
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    Restrições (Econômicas) à Contagem Recíproca de tempo de serviço

    Publicado por Correio Forense
    há 11 anos

    RESUMO: Este artigo analisa as limitações e restrições, sobretudo de natureza econômica, que atualmente se opõem à contagem recíproca, instituto dos mais relevantes dentro do Direito Previdenciário. A despeito do sistema previdenciário, atualmente, observar paradigma eminentemente contributivo, deve-se atentar (retornar) aos princípios fundamentais da Previdência Social, especialmente a busca da proteção social, e analisar o instituto da contagem recíproca de modo mais próximo ao mundo das relações do trabalho, abandonando-se o viés meramente economicista que se lhe vem imprimindo.

    PALAVRAS-CHAVE: Previdência Social. Contagem Recíproca. Restrições Econômicas.

    Introdução

    O Direito Previdenciário, na atualidade, apresenta grande maturidade em termos de normatização, técnica e, sobretudo, doutrina.

    Dos primeiros estudos, muitas vezes dedicados tão somente aos aspectos comezinhos de tempo de carência e simples procedimentos administrativos, passou-se a uma fase mais madura, principalmente nos anos 1990 e 2000, especialmente investigando-se o impacto das normas constitucionais no campo previdenciário.

    A partir desse avanço, propiciador de grandes conquistas jurisprudenciais e, segundamente, também no âmbito legislativo, os estudiosos voltaram-se ao exame de temas mais aprofundados, sobretudo direcionando-se ao exame do Direito Previdenciário dentro da Teoria Geral do Direito, especialmente indagando as incongruências daí advindas, principalmente diante da primazia do Direito Privado.

    Daí a necessidade de revisão, no âmbito previdenciário, de temas clássicos como o direito adquirido e o ato jurídico perfeito, desafios com os quais a jurisprudência e a doutrina se defrontam diante de questões, como a desaposentação e os direitos previdenciários expectados (BARROSO, 2012), que põem a nu as muitas limitações da Teoria Geral do Direito para os direitos fundamentais sociais, particularmente para o Direito Previdenciário.

    O mais novo desafio teórico da ciência do Direito Previdenciário, ao menos o mais importante na atualidade, reside no enfrentamento do predomínio do econômico sobre a proteção social.

    É certo que os sistemas previdenciários devem tender ao equilíbrio financeiro-atuarial, conforme ditames constitucionais (arts. 40 e 201 da norma normarum). Porém, devem igualmente se nortear, posto que sua missão precípua e semelhantemente constitucional, à tarefa de cobertura de contingências sociais.

    O discurso político-governamental, muitas vezes encampado pela jurisprudência e pela doutrina, submete acriticamente o desenvolvimento dos institutos previdenciários ao verdadeiro, ad terrorem, da permanente insolvência dos sistemas previdenciários.

    Trata-se de versão sofisticada e tomada por empréstimo da Ciência Política do conceito de estado de exceção (AGAMBEN, 2007), externo ao Direito Previdenciário, mas que lhe invade sem muitas defesas: a inevitável falência econômica do sistema impõe a necessidade de redução ou supressão da rede de proteção social.

    Sem nos alongarmos, é justamente esse o ponto de enfrentamento mais problemático da doutrina de Direito Previdenciário na atualidade. Este trabalho irá examinar um trecho específico dessa batalha, consistente nas restrições econômicas indevidas que se vem encontrando recentemente no aproveitamento da contagem recíproca de tempo de serviço/contribuição para fins de concessão de benefícios previdenciários.

    1 Previsão e Alcance da Contagem Recíproca

    A contagem recíproca de tempo de serviço/contribuição “pode ser definida como a soma dos períodos de trabalho prestado sucessivamente na iniciativa privada e para os órgãos públicos ou vice-versa, com vistas à implementação dos requisitos das prestações concedíveis pelos diferentes regimes que as contemplam” (MARTINEZ, 1998, p. 167).

    De acordo com Wladimir Novaes Martinez (1998, p. 167), a contagem recíproca deve considerar, ao mesmo tempo, reciprocidade de tratamento e atenção aos preceitos particulares de cada regime e benefício previdenciário.

    Atualmente encontra-se prevista no art. 201, § 9º, da Constituição Federal, conforme redação dada pela Emenda Constitucional nº 20/98:

    “§ 9º – Para efeito de aposentadoria, é assegurada a contagem recíproca do tempo de contribuição na administração pública e na atividade privada, rural e urbana, hipótese em que os diversos regimes de previdência social se compensarão financeiramente, segundo critérios estabelecidos em lei.”

    Anteriormente à alteração constitucional trazida pela Emenda Constitucional nº 20/98, o instituto da contagem recíproca possuía mesma redação, embora previsto no art. 202, § 2º, e conectado ao paradigma conceitual previdenciário anterior: tempo de serviço no lugar do atual, tempo de contribuição.

    A ideia imbuída no conceito de contagem recíproca é a proteção previdenciária plena ao trabalhador, por imposição da universalidade do seguro social (MARTINEZ, 1998, p. 166), abarcando todos os âmbitos laborais em que tenha exercido suas atividades, sem limitações, com respeito à história laboral e previdenciária do segurado (SANTOS, 2012, p. 136), recorrendo-se à técnica previdenciária de compensação financeira entre os diversos regimes, nos moldes da Lei nº 9.796, de 26.05.99.

    A contagem recíproca, assim, é direito subjetivo dos segurados (MARTINEZ, 1998, p. 169); poderíamos concebê-la sem prejuízo como direito fundamental (SERAU Jr., 2011), não podendo ser restringida por lei ordinária ou atuação do Poder Judiciário.

    Porém, a despeito dessa configuração da contagem recíproca, algumas limitações vêm sendo observadas, principalmente em virtude do caráter economicista que se busca imprimir à Previdência Social. Iremos, doravante, examinar algumas destas restrições à contagem recíproca que se pode identificar na jurisprudência.

    2 Restrições (Econômicas) à Contagem Recíproca

    Como dito acima, na prática administrativa e na jurisprudência verificam-se certas limitações à contagem recíproca, o que pode implicar restrição ao acesso aos direitos previdenciários. Iremos analisar alguns casos emblemáticos.

    O primeiro deles consiste na restrição ao aproveitamento do tempo de serviço prestado em atividade rural para os regimes próprios de previdência social, ou mesmo para a aposentadoria por tempo de contribuição no RGPS. O segundo óbice mais relevante é verificado na tentativa de aproveitar, nos regimes próprios de previdência, tempo especial convertido em tempo comum, prestado no RGPS.

    2.1 Aproveitamento do Tempo de Atividade Rural

    Tratemos do primeiro ponto: aproveitamento do tempo rural na contagem recíproca.

    Os trabalhadores rurais não eram segurados obrigatórios anteriormente à Lei nº 8.213/91. Para fazer jus aos benefícios de valor mínimo previstos no art. 39, inciso I, do referido normativo, não precisam demonstrar o recolhimento de contribuições, apenas o exercício da faina rural, pelo período correspondente ao da carência do benefício requerido.

    Contudo, entende-se majoritariamente que referido período de trabalho não pode ser computado para fins de carência, exceto se indenizado (SANTOS, 2012, p. 181), nos termos do art. 55, § 2º, daquele diploma legal.

    Há, porém, vertente que entende necessária a indenização das contribuições relativas ao tempo de trabalho rural apenas no caso de averbação desse período perante regimes previdenciários destinados aos servidores públicos (CASTRO; LAZZARI, 2010, p. 730-731). Para essa corrente, a contagem de tempo rural para aproveitamento em aposentadoria por tempo de serviço (averbação) não configuraria exatamente contagem recíproca, visto se tratar do mesmo regime previdenciário (RGPS)(1).

    Em ambos os casos compreendemos que a necessidade de indenização das contribuições previdenciárias relativas ao tempo de atividade rural acaba por frustrar a finalidade político-constitucional do instituto da contagem recíproca, bem como o tratamento diferenciado, tendente à igualdade material, dispensado constitucionalmente ao rurícola.

    Esse é o ponto fulcral da argumentação aqui buscada. Faz-se necessário abordar essa questão na perspectiva não apenas contributiva, mas, sobretudo, daquela atrelada à concepção de direitos previdenciários como direitos fundamentais (SERAU Jr., 2011).

    Além disso, a contagem recíproca é disciplina jurídica que aponta para o passado, especialmente para momentos em que os trabalhadores rurais pouco estavam inseridos no sistema previdenciário e não recolhiam contribuições (MARTINEZ, 1998, p. 172).

    O único contraponto possível a justificar a exigência da indenização das contribuições previdenciárias seria a compreensão de que o ex-rurícola, que se torna trabalhador urbano ou servidor público, teria atingido idôneo estado de inclusão social e econômica, suficiente a demonstrar sua contemporânea capacidade econômico-contributiva.

    Não nos parece, contudo, a melhor intelecção para a hipótese tratada.

    Como dissemos anteriormente, embora o sistema previdenciário atualmente obedeça a vetor eminentemente contributivo (vinculação ao sistema previdenciário a partir do recolhimento de contribuições), não deixa de ser seguro social ou previdência social.

    O instituto da contagem recíproca, no que tange ao aproveitamento de tempo de serviço rural, não deve obedecer à lógica estritamente contributivo-economicista, em uma pretensão de recolher aos cofres previdenciários todas e exatas contribuições previdenciárias, em todas as exatas competências que sejam necessárias à consecução do direito pelo segurado.

    Como já mencionamos, a contagem recíproca busca fazer um ajuste de contas com o passado laboral/previdenciário do segurado, não se podendo penalizá-lo duplamente por sua baixa inserção formal no sistema previdenciário no passado e, na contemporaneidade, obstar-lhe o percebimento de benefícios através de interpretação restritiva e economicista do instituto da contagem recíproca.

    Deve prevalecer a lógica constitucional de permissão ampla de aproveitamento de todo o tempo laboral rural do segurado para obtenção de benefício previdenciário no derradeiro sistema previdenciário a que se filiar.

    Ademais, Constituição Federal, quando trata do trabalhador rural, indica o tratamento isonômico, não apenas formalmente igual ao trabalhador urbano, e a consequência que se obtém dessa interpretação é que o tempo de trabalho rural, anterior à Lei nº 8.213/91, deve valer, inclusive, para fins de carência e contagem recíproca, independentemente de qualquer forma de indenização.

    2.2 Aproveitamento, nos Regimes Próprios, de Tempo de Atividade Especial Prestado no RGPS

    Outro ponto problemático quanto à contagem recíproca de tempo de serviço/contribuição reside no aproveitamento, nos regimes próprios, de tempo de atividade especial prestado no RGPS e convertido para tempo comum.

    A conduta da autarquia previdenciária e de parte da jurisprudência tende a limitar a contagem recíproca nessa situação, computando o tempo exato, sem o acréscimo derivado da “conversão” do tempo exercido em condições prejudiciais à saúde (multiplicação pelos fatores 1,2 ou 1,4, conforme o caso, nos termos da legislação).

    Já se observou que a contagem recíproca é de particular importância nas atividades insalubres, penosas e todas aquelas exercidas com prejuízo à saúde do trabalhador (MARTINEZ, 1998, p. 166).

    No que concerne à contagem recíproca no âmbito do serviço público, há que se lembrar que também os regimes próprios de previdência dos servidores públicos regem-se pelo princípio tempus regit actum (SANTOS, 2012,

    p. 436-437; MARTINEZ, 1998, p. 62-63), cuja consequência é a possibilidade de contagem recíproca de tempo de serviçoanteriormente à vigência da Emenda Constitucional nº 20/98.

    Após esse marco temporal, também restou vedado o aproveitamento de tempo fictício (art. 40, § 10, da Constituição Federal), isto é, desatrelado do recolhimento de contribuições, a exemplo que se permitia com a utilização, para complemento do tempo de trabalho exigido, de férias ou licenças-prêmio não fruídas, inclusive em dobro.

    Contudo, parece que em certos casos parcela da jurisprudência e doutrina adotam um conceito bastante ampliado da vedação de utilização do tempo fictício de contribuição constante do texto constitucional.

    Como se, na hipótese em tela, o tempo especial convertido em comum propiciasse um “ganho” de tempo ao servidor público que anteriormente trabalhou em atividades especiais no RGPS.

    Olvida-se, nesse raciocínio, que no RGPS houve contribuição extraordinária, incidente sobre toda a folha de pagamento da empresa e, ao mesmo tempo, sobre a remuneração individualizada do segurado que exerceu atividade especial.

    Diante dessa contribuição extraordinária, estaria suprido qualquer vácuo contributivo a obstar a concessão de benefícios previdenciários nos regimes próprios de previdência, que se compensarão financeiramente junto ao INSS.

    Porém, para mais do que a existência deste “excedente contributivo” relativo ao tempo de desempenho de atividade especial no RGPS, deve-se ter em conta a concepção constitucional que pode ser empreendida ao instituto da contagem recíproca: a plena proteção ao trabalhador, com a consideração de toda sua história laboral/previdenciária e respeito à sua condição peculiar, mormente quando do exercício de atividades especiais.

    Conclusões

    A despeito do sistema previdenciário brasileiro atualmente observar, estranhamente, paradigma eminentemente contributivo, deve-se atentar ou retornar aos princípios basilares que nortearam a criação da Previdência Social, especialmente a busca da proteção social.

    Em consequência dessa postura metodológica, a análise do instituto da contagem recíproca de tempo de serviço/contribuição deve levar em consideração o mundo do trabalho e abandonar o viés meramente economicista que se lhe vem imprimindo, ideia que refuta a busca, muitas vezes verificada na prática administrativa, na doutrina e na jurisprudência, de recolhimento de todas as exatas contribuições/competências necessárias à percepção de benefícios previdenciários por parte dos segurados.

    Referências

    AGAMBEN, Giorgio. Estado de exceção. São Paulo: Boitempo, 2007.

    BARROSO, Marcelo. Direitos previdenciários expectados – a segurança na relação jurídica previdenciária dos servidores públicos. Curitiba: Juruá, 2012.

    CASTRO, Carlos Alberto Pereira de; LAZZARI, João Batista. Manual de direito previdenciário. São José: Conceito, 2010.

    MARTINEZ, Wladimir Novaes. Reforma da previdência social – comentários à Emenda Constitucional nº 20/98. São Paulo: LTr, 1998.

    SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. 2. ed. rev. e ampl. São Paulo: Saraiva, 2012.

    SERAU Jr., Marco Aurélio. Economia e seguridade social. Análise econômica do direito: seguridade social. 2. ed. rev., ampl. e atual. Curitiba: Juruá, 2012.

    ______. Seguridade social como direito fundamental material. 2. ed. rev., ampl. e atual. Curitiba: Juruá, 2011.

    Notas

    (1)Esse tema se encontra sobre apreciação do Supremo Tribunal Federal (RE 650.851, Relatoria do Ministro Gilmar Mendes), que desde 14.12.2011, julgamento suspenso por pedido de vista, examina a existência de repercussão geral na espécie.

    Autor: SERAU JUNIOR, Marco Aurélio

    Fonte: Lex Magister

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