Busca sem resultado
jusbrasil.com.br
20 de Abril de 2024

A banalização da prisão preventiva e o descaso do Judiciário

Publicado por Correio Forense
há 7 anos

Desde o início do corrente ano, nos deparamos com uma enxurrada diária de notícias envolvendo a crise nos presídios brasileiros. Cada nova rebelião é uma sirene de alerta que anuncia a eclosão de um sistema falido e abandonado pelo Estado.

No Rio Grande do Sul, a situação dos presos é alarmante, onde estes são algemados em lixeiras, mantidos em viaturas e jogados em containers de lixo, sob o argumento do Senhor Governador José Ivo Sartori de que não há mais espaço nos presídios. O caos instaurado pela mídia somado aos interesses escusos dos governantes direciona ao que parece ser a única solução milagrosa para o problema do cárcere nacional, estancando a sangria e apaziguando o ânimo do “cidadão do bem”: a privatização.

Contudo, a privatização também já se mostrou ineficaz. No primeiro dia do corrente ano, um dos presídios privatizados do país, em Manaus, na Amazônia, durante uma disputa entre organizações criminosas, restaram 56 mortos. Cabe frisar que o presídio foi construído com o repasse de R$ 137 milhões do setor público, com capacidade de 454 vagas, sendo que à época do incidente, já abrigava 1.224 detentos — o triplo da capacidade.

A falácia da privatização se sustenta em razão da fantasia criada pelos meios de comunicação de que o serviço público é falho e ineficaz, enquanto o privado funciona perfeitamente, posto que “se tem no primeiro mundo, é bom”.

Acerca do tema, destaca-se a notícia repassada pelo Ministério Público de Contas do Amazonas, em que este afirma que valor pago à Umanizzare – empresa que gerencia os presídios privatizados – é maior do que em outros Estados e existe “descontrole de segurança e ineficiência de gestão”; atualmente, empresa cuida de 6.099 detentos em 6 unidades; oficialmente, o valor pago é de R$ 4.129, mas um levantamento nas contas da Fazenda indica o valor médio repassado à empresa foi de R$ 5.867; independentemente dos valores conflitantes, a cifra é bem superior a de outros estados. Na Grande São Paulo, a proporção de orçamento e população carcerária foi de R$ 2,1 mil por preso; de acordo com a Secretaria de Administração Penitenciária de São Paulo (SAP), porém, a média no Estado é de R$ 1.450.

Mas deixando de lado um pouco a problemática das privatizações, o que mais me espanta é o descaso do judiciário com o cidadão segregado. A indiferença de manter ou não alguém encarcerado é alarmante. Ignora-se o estrago que o excesso de segregação causa na vida pública e privada do sujeito. Finge-se que não há efeitos psicológicos no preso preventivo que foi esquecido pelo Estado e pelo Judiciário em uma cela suja e degradante. Banaliza-se bordões do tipo “deixar apodrecer na cadeia”, “tem mais é que morrer preso” e “ainda bem que eles se matam entre eles”. Alastra-se o ideal de “limpeza” dos presídios.

Transformam-se os flagrantes em prisões preventivas num piscar de olhos, que perduram por meses, e, em alguns casos, anos.

As audiências de custódia são inúteis. Mantem-se encarcerados os “delinquentes” para apaziguar os “cidadãos de bem” que clamam por justiça. Os julgadores proferem decisões paliativas, alçando “a ordem pública” como princípio mor de nossa sociedade, ignorando totalmente o ser humano e transformando-o em exemplo de “justiça e eficácia”, vez que este já cumpre sua pena.

Extrai-se das últimas notícias que tudo se encaminha para uma rebelião em massa nos presídios, em razão da superlotação e das condições desumanas. Além disto, ressalta-se que atualmente, 40% da população carcerária do país é formada por presos preventivos, ou seja, atira-se o acusado na cela, e deixa-o trancafiado até uma possível melhor solução, proferindo-se decisões padronizadas e carreadas de in dubio pro societate, como se fosse pequenas doses homeopáticas de justiça.

Inicio minha carreira na advocacia com preocupação, descrença e insegurança. Preocupação em razão do descaso total dos agentes do judiciário em relação à população economicamente menos favorecida e que está à mercê deste sistema carcerário falido. Descrente, pois vejo diariamente o empenho de colegas de profissão na busca do mínimo de cumprimento da lei e para que se garantam os ínfimos direitos fundamentais do cidadão e, por último, a insegurança jurídica atual, em que as decisões não mais se fundamentam pela lei e se norteiam pela Carta Magna, mas sim, pelo clamor popular e o ódio punitivista de uma sociedade intolerante e ignorante acerca das estruturas estatais.

Autora: Graciele Dalla Libera é bacharel em Direito pela Universidade de Caxias do Sul.

Fonte : http://justificando.cartacapital.com.br/

NOTA DA REDAÇÃO: Recentemente, a Presidente do STJ, ministra Laurita Vaz, deferiu HC para um “Camelô que comprou 10 latas de leite roubadas”. Um delito sem violência e o acusado possuidor de bons antecedentes, primário e trabalhador, teve que recorrer ao STJ para uma fato simples dessa natureza. Um prisão, claramente, desnecessária, mas o Juiz e nem o Tribunal tiveram a responsabilidade jurídica de atender aos requisitos exigidos para afastar a exceção: a prisão, pois a regra é a liberdade.

Na semana passada, também, a Presidente do STJ deferiu outro HC para um acusado preso preventivamente há um ano e meio, mas sem julgamento. Excesso de prazo induvidoso, mas nem o Juiz nem o TJPE, tiveram o cuidado de respeitar o direito segregado do acusado, foi necessário ir ao STJ.

Nessas situações quantos presos provisórios temos no país? e o presidente da AMB ainda diz que a crise carcerária não tem nada a ver com o Judiciário. Pode-se levar a sério?

  • Publicações23551
  • Seguidores639
Detalhes da publicação
  • Tipo do documentoNotícia
  • Visualizações253
De onde vêm as informações do Jusbrasil?
Este conteúdo foi produzido e/ou disponibilizado por pessoas da Comunidade, que são responsáveis pelas respectivas opiniões. O Jusbrasil realiza a moderação do conteúdo de nossa Comunidade. Mesmo assim, caso entenda que o conteúdo deste artigo viole as Regras de Publicação, clique na opção "reportar" que o nosso time irá avaliar o relato e tomar as medidas cabíveis, se necessário. Conheça nossos Termos de uso e Regras de Publicação.
Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/noticias/a-banalizacao-da-prisao-preventiva-e-o-descaso-do-judiciario/420323636

3 Comentários

Faça um comentário construtivo para esse documento.

Não use muitas letras maiúsculas, isso denota "GRITAR" ;)

A questão me parece orientar para a solução via de tutela civil. E antes que alguém venha pretender aduzir que estou defendendo bandidos e não as vítimas e por aí vai, já aponto no sentido de que estou alinhavando questões técnicas - não estou fazendo juízos de valor a respeito da justificativa ou não das condutas das pessoas segregadas. No entanto, não se pode esquecer de que o preso é, tecnicamente pessoa colocada sob custódia do Estado, portanto, o que com ele ocorrer no curso do cumprimento da pena, autoriza o deferimento de indenizações, sendo a responsabilidade civil do Estado, nesse caso, objetiva pura. Quem diz isso não sou eu, mas o STF por vários precedentes. De igual modo, há direito de regresso do erário em face de todos aqueles que colaboraram para a ocorrência do dano (quem diz isso não sou eu, mas a Constituição Federal no artigo , inciso XXXVII e próprio Código Civil que traz uma certa solidariedade legal nesse sentido - ou seja, o prejudicado por optar em processar o Estado e depois o Estado aciona o funcionário ou gestor, ou, o interessado por optar, diante do sistema de solidariedade legal, em acionar todos diretamente. Fato é que, se o Estado lato sensu tiver que pagar as indenizações, os onerados somos todos nós. Portanto não se pode fiar na política do quanto pior, melhor, ou seja, quantas mais mortes, melhor para a sociedade, porque, judicialmente, isso somente onerará ainda mais os cofres públicos em detrimento dos impostos a que estamos jungidos (tudo isso, insista-se, sem que se adentre o cerne ideológico da questão no que diz respeito ao fato de que seres humanos estão sendo mortos). Se as empresas privadas não estão prestando o serviço a contento é dever do Estado, não escolha (não se cuida de ato discricionário, portanto) acioná-las ou chamá-las aos processos que vierem a ser movidos. Se o serviço causar danos à saúde ou danos morais aos detentos, igual procedimento deve ser adotado - e há, até mesmo, a possibilidade de algum ente coletivo mover ação civil pública para haver danos morais coletivos (não sou eu quem diz isso, mas a doutrina e a jurisprudência). Talvez o caminho seja uma privatização controlada e extremamente fiscalizada - que haja multas pesadas para ingresso de presos acima do limite. Se não há vagas, que novas privatizações sejam feitas. Que haja clareza nos limites dos subsidios e dos lucros e que se fixem normas no sentido de que as empresas privadas devam manter reservas patrimoniais ou seguros para tais indenizações, estabelecendo-se a responsabilidade direta dessas empresas em casos como tal. continuar lendo

Quando alguém começa a escrever uma opinião já se desculpando e se justificando, é sinal de que algo está muito errado em nossa sociedade. É sinal de que o diálogo está sufocado. Sinal que a censura se encontra revigorada.
O fato é que os defensores da pena de morte são ignorantes, visto que a pena de morte já foi largamente utilizada praticamente no mundo inteiro, inclusive no Brasil e não resolveu, nem mesmo diminuiu o problema da criminalidade.
Tratar o preso de forma desumana em nada contribui para a redução da criminalidade.
Deixar o cara apodrecendo na cadeia em nada contribui para a redução da criminalidade.

O Brasil tem a péssima mania de combater os sintomas da doença chamada criminalidade, sem nunca atacar sua causa. continuar lendo